domingo, 27 de fevereiro de 2011

SUBSÍDIOS GEOMORFOLÓGICOS AO ESTUDO DA PAISAGEM

Extraído de Geomorfologia e paisagem - Valter Casseti

Por resultar da combinação de diferentes componentes da natureza, o relevo é um importante recurso para a delimitação das paisagens, ao mesmo tempo em que quase sempre condiciona a forma de uso e ocupação do solo. Não se desconsidera aqui a apropriação tecnológica como componente de superação de eventuais obstáculos.
Considerando pelo menos três situações particulares, o significado do relevo na delimitação da paisagem pode ser justificado da seguinte forma:
• Relações de forças contrárias. O relevo, decorrente do jogo de forças internas e externas, leva à interpenetração de formas. Assim sendo, considerando as escalas temporais e espaciais, ora o relevo pode expressar mais as influências estruturais, ora os efeitos morfoclimáticos, ou ainda ambos, simultaneamente. A Chapada dos Veadeiros, em Goiás, se constitui num bom exemplo dessas combinações: enquanto os topos pediplanados, tanto da cimeira regional ( 1.300 m ) quanto intermontano ( 1.000 a 1.100 m ), representam efeitos associados a processos morfogenéticos secos, registrados provavelmente no Terciário3 , a extensa zona dissecada por processos morfogenéticos úmidos, correspondentes a períodos intermediários, reflete os efeitos da resistência litológica e das implicações estruturais, aliadas à tectônica proterozóica. Ao mesmo tempo em que se registram extensões consideráveis de superfícies erosivas conservadas (pediplanos) que cortam resistências litológicas variadas, em posições topográficas distintas, tem-se também sinclinais alçadas, cornijas estruturais, além de uma rede hidrográfica vinculada a processo de fraturamento, com direção geral NE e NW. Há, portanto, importante combinação de formas aliadas a fatores diferenciados, que ainda preservam a história geológica e climática, sobretudo pós-cretácica, ou mais especificamente, pós-oligocênica. O relevo acaba se constituindo no resultado dessas forças contrárias, razão pela qual se reveste de importância enquanto subsídio para a demarcação de diferenças morfológicas, com diferenças pedológicas e conseqüentemente relativas ao uso e ocupação do solo, numa perspectiva “possibilista”;
• Relações morfopedológicas. Muitos trabalhos têm demonstrado estreita relação entre a disposição do relevo e os solos resultantes, o que tem cada vez mais consolidado a morfopedologia enquanto disciplina, a exemplo do trabalho desenvolvido por Gerrard (1992). Enquanto nas áreas planas predominam os latossolos, portadores de alto desenvolvimento físico, nas áreas movimentadas prevalecem solos caracterizados por horizonte B incipiente ou simplesmente Solos Litólicos (Neossolos). O caráter edáfico, sobretudo nos solos autóctones, pode estar relacionado à estrutura subjacente, a exemplo dos Latossolos Vermelho-Escuros ou Roxos, geralmente associados a rochas básicas ou ultrabásicas, enquanto os Latossolos Vermelho-Amarelos quase sempre se associam às rochas ácidas (menor teor de ferro). Essa relação chega a exercer uma certa correspondência quanto à troca de bases: solos eutróficos, com troca de bases superior a 50%, considerados de fertilidade natural, e solos distróficos, com troca de bases inferior a 50%. Da morfologia representada por superfícies aplainadas, ou mesmo tabulares, para o domínio de formas aguçadas, registra-se a seguinte situação quanto ao desenvolvimento físico dos solos: Latossolos (Bw), Podzólicos ou Brunizéns (Bt), Cambissolos (B incipiente) e Solos Litólicos. Essa relação encontra-se, via de regra, determinada pelo balanço entre morfogênese e pedogênese, pois, enquanto em áreas tabulares prevalece a componente perpendicular (infiltração), nas fortemente dissecadas predomina a paralela (escoamento), numa estreita relação de tendência crescente com a declividade. Tais parâmetros oferecem sustentação ao processo de apropriação do relevo, insistindo na perspectiva possibilista;
• Relações antropomorfológicas. O processo de apropriação do relevo seja como suporte ou como recurso, vincula-se ao comportamento da morfologia e às condições pedológicas. Exemplo disso são as superfícies pediplanadas, superfícies erosivas tabulares e superfícies estruturais tabulares do sudoeste goiano, onde se registram manchas expressivas de Latossolos Roxos ou Latossolos Vermelho-Escuros, associadas ao desenvolvimento de cultivos. A tendência de uma apropriação induzida de espaços portadores de potencialidades naturais4 ocorre principalmente em áreas de expansão de fronteira, como na região de Alta Floresta, norte do Estado do Mato Grosso, onde se constata significativa ocupação, principalmente voltada à pecuária. O compartimento ou unidade geomorfológica regional acha-se individualizado pela Depressão Interplanáltica da Amazônia Meridional (Melo & Franco, 1980), caracterizado por processo de pediplanação intermontana, representado pelos Podzólicos Vermelho-Amarelos distróficos, com domínio de pastagens. Já, nas áreas fortemente dissecadas, como aquelas associadas às bordas do graben do Cachimbo, caracterizadas por extensa zona de cisalhamento (ortoarenitos do Grupo Beneficente), a ocupação é restrita, prevalecendo o domínio da Floresta Ombrófila. Tal relação não se dá de forma determinística, partindo do princípio de que a disponibilidade tecnológica, aliada à força do capital, seja capaz de superar eventuais obstáculos morfológicos. Como exemplo pode-se ressaltar a ocupação de antigos mangues em litorais mais adensados populacionalmente, ou mesmo de antigas planícies aluviais, como a Vila Roriz em Goiânia (Cunha, 2.000), hoje topograficamente alçada por depósitos tecnogênicos, responsáveis pelo alto custo socioambiental.
Não serão consideradas aqui relações entre famílias de formas e implicações estruturais, embora reconhecendo a existência de reflexos tectônicos e paleoclimáticos na morfologia atual. Com o intuito de reforçar o argumento do significado do relevo na delimitação da paisagem, apresenta-se, a título de exemplo de relação abiótica, correspondência entre a disposição morfológica e as características pedogênicas, independentemente do comportamento estrutural. (Fig. 6.2 )

Enquanto nas superfícies pediplanadas ou superfícies erosivas tabulares, associadas aos processos relacionados ao Terciário Médio, prevalecem os Latossolos “húmicos” (Fig. 6.2 ), nas rupturas de declive, periféricas ao pediplano, ou recobrindo as colinas convexas, registra-se a presença dos “Lixossolos” concrecionários com laterita, os quais dão sustentação ou preservam as formas que foram elaboradas em condições morfogenéticas secas. Nos compartimentos embutidos, relacionados a processo de pediplanação intermontana do Terciário Superior, reaparecem os latossolos húmicos, enquanto nas áreas mais dissecadas, como na porção inicial do perfil, predominam os litossolos. Assim, pode-se estabelecer uma estreita correspondência entre a disposição do relevo e o desenvolvimento físico dos solos relacionados ao jogo das componentes perpendicular e paralela. Enquanto nas formas tabulares predomina a componente perpendicular, que representa infiltração, aumento de intemperização e espessamento dos horizontes pedogênicos (balanço morfogenético negativo), nas formas aguçadas, em seções de forte dissecação, tem-se o desenvolvimento da componente paralela, com balanço morfogenético positivo, respondendo pelo adelgaçamento do horizonte pedogênico.
Gerrard (1992) mostra, através de modelo hipotético de nove unidades de uma vertente, adaptado de Dalrymple et al (1968), as relações morfopedológicas (Fig. 6.3 ).


O exemplo contribui para a justificativa do significado do relevo como subsídio à demarcação das unidades territoriais que caracterizam as paisagens diferenciadas, ressaltando a necessidade de se levar em consideração os parâmetros lembrados por Lopes & Lopez (1986): estrutura e composição (energia, matéria, vida, espaço e tempo) e funcionamento (leis físico-químicas, atividade das plantas, dos animais e principalmente a ação do homem).
Apresenta-se a seguir, exemplo de compartimentação realizada em dois níveis taxonômicos, com vistas à integração dos componentes da paisagem, em estudo de impacto ambiental em área de aproveitamento hidrelétrico, tendo o relevo como subsídio demarcatório da superposição de componentes abióticos e bióticos, possibilitando o uso diferencial dos recursos. Retoma-se aqui o conceito de “georrelevo” proposto por Kügler (1976), tomando-o como referencial tanto das relações geoecológicas quanto sociorreprodutoras.

Um comentário:

  1. As paisagens são modelos ótimos para protótipos de ecodesigner. Os Ecodesigner empregados no paisagismo urbano possibilita a naturalização da rudez da estética urbana. No mais são mini ecossistemas que induziram os ciclos biogeoquímico naturais o balanço térmico resultando no sequestro de carbono, estabilização relativa do meio urbano.

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